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Noite


Você acorda de noite. E se a única luz que pudesse diferenciar se você está de olhos abertos ou fechados simplesmente não existisse?

Entraria em desespero.

Esfregaria os olhos.

Acharia que teria perdido a visão.

Pensaria que sua vida agora seria totalmente inutil.

Nunca mais seria o mesmo.

Cogitaria em acabar de uma vez por todas com todo o sofrimento.

E não viver sem ver.









A luz estava apenas

 apagada 

Talvez não seja tão fácil...



     Estou num gigantesco galpão. O teto é muito alto. Nem vejo as vigas que o sustentam. Também olho ao  redor e não consigo ver o final desse galpão. Está claro. Eu visto uma camiseta branca e uma calça branca.  Estou em pé, descalço. Ao meu lado direto há mais uma pessoa. Nunca a vi na vida. Do lado dela, espio  e tem outra. Espio mais para frente e vejo uma fila interminável de pessoas, tando do meu lado direito  quanto do lado esquerdo. Me dou conta de que há uma fila idêntica à minha frente, há um metro e meio de  distância. Homens, mulheres, de várias idades, mas nem muito jovens, nem muito velhos, aleatoriamente  posicionados, mas todos em fila, todos de branco, também. Nós estamos todos uns de frente para os  outros da fila à frente. 
     Não sei que horas são, mas parece que isso não importa. Estamos calados. Parece que temos medo  não de contestar o que fazemos aqui, mas de interagir com os outros ao redor. 
     O silêncio deixa de existir aos poucos, e, vagarosamente, estamos todos conversando. Descubro que a  garota da direita gosta das mesmas coisas que eu, e o garoto da frente, curte as mesmas músicas. Outros  próximos de nós se integram à conversa, sem sairmos do lugar -como se não conseguíssemos, ou não  precisássemos- e começamos a contar as coisas que aprontávamos na escola. Relembramos, cada um um  pouco, nossas festinhas de aniversário, e as gafes que cometemos. Rimos muito uns dos outros e todos  juntos. Até os feitos nos jogos nos aproxima mais e mais. Discutimos o futuro. Opinamos sobre política.  Contamos piadas. Adorei essas pessoas. Elas são interessantes. Quero estar sempre com elas. Continuo  sem noção de tempo, mas lembra que disse que isso não importava? Não faz diferença alguma! Para mim  estou há horas na melhor conversa da minha vida, com pessoas incríveis. Somos diferentes, mas somos tão  próximos. Agora, quando olho para a face de cada um enquanto rio junto com eles, sinto uma coisa por  dentro. Uma felicidade que parece que vai explodir. Estou feliz por estar aqui


     Agora, ouço o silêncio atravessando as filas desde lá longe, vindo como uma onda. Uma sirene toca  bem aguda. Ouço engrenagens. Pareço me movimentar. Mas não estou andando. Olho para meus pés e  percebo que minha fila e eu estamos em cima de uma esteira. Os da frente também estão em outra esteira.  Não podemos sair dos nossos lugares. Minha fila começa a ser carregada para a esquerda e a fila da frente  para a direita. Vejo aquelas pessoas tão familiares se esvaíndo, e meus olhos, na mesma hora se enxem de  lágrimas que faço um esforço para que não escorram pelo meu rosto de expressão terrivelmente triste.  Tiraram uma parte de mim. Vejo pessoas e mais pessoas da fila da frente cruzando os olhares aos meus.  As que estavam do meu lado agora são outras que não conheço. Tão esquisitas. Têm expressões feias.  Não quero mais estar aqui! Quero aquelas pessoas! Uma dor profunda me envolve. As esteiras param.  Não tenho coragem de olhar para quem está na minha frente. Permaneço cabisbaixo, com as lágrimas  caindo sobre meus pés. Agora, parece uma eternidade cada segundo. 
Demorou muito mais tempo para que o silêncio fosse deixado de lado. Ouviu-se muitos murmúrios e  choros calados por todo o ambiente. 
     Ergui a cabeça. Olhei para o homem à minha frente. 
     - Assim é a sua vida.

O tempo

        Estava sentado na cadeira alaranjada, defronte ao notebook. O calor era insuportável, e quem disse que o ventilador virado para sua cara daria conta? Excruciante. O quarto nem era pequeno, e tinha uma parede maravilhosamente tingida de verde-limão. Era o diferencial. Estava pouco escuro, com as luzes apagadas. Luz natural, só.
        A janela ficava logo ao seu lado esquerdo, a um metro mais ou menos. Uma janela simples, grande, de quarto, daquelas com grade. Sabe, a gente tem que se proteger de alguma forma.
        Lá fora, o sol de rachar clareava o jardim e até ofuscava a vista. Os olhos doíam só de pensar em olhar naquela direção. A árvore troncuda, verdinha, linda, encontrava-se exatamente em frente à janela. Era fácil ver os pássaros virem até ela pegar gravetos ou arrancar um pedacinho de sua casca. Estava ali e todo mundo via.
        Mas estava quente. Quase 40 graus era o que os jornais haviam anunciado. Umidade relativa do ar? O que é isso? A cidade está em estado de emergência há dias.
Olhou pra fora, encarando a claridade.
        –Seria bom se chovesse.
        Um estrondo. Um flash de brilho intenso o cegou por milésimos de segundos, e uma tempestade de vento e trovoadas caía do lado de fora de sua casa.
        Ouvia-se barulhentos “toc”s no telhado.
        –Mas o que é iss-
        Olhando pela janela, pedras de gelo que mais pareciam pedregulhos despencavam do céu. Uma lagoa já se formava nos pedaços gramados do quintal. O vento já remexia nas telhas da casa vizinha. Era visível.
        –Pare com isso, pelo amor de Deus!
        Um som de flash de câmeras fotográficas antigas, como um “puff”, soou. Olhou e a chuva parou. O vento parou. As pedras pararam, e podia vê-las estáticas no meio do caminho, quase a tocar o solo. As árvores permaneceram tortas, e suas folhas são se mexiam. Cessou a tempestade. Parou o tempo.
        Seu corpo não se movia, só seus olhos viam. Sua boca dizia:
        –Acabe com isso, por favor!